Este é um texto de Filipe Oliveira (coluna Haja Vista – Folha de São Paulo)
Não foram poucas as vezes em que, sem entender uma ou várias cenas de um filme, fui parar na Wikipédia ou buscar resenhas em sites especializados em cinema para descobrir o enredo. Depois de lidos todos os spoilers, assisto outra vez para dar mais uma chance a mim e à obra.
No teatro, já fiz amizade porque na última cena da peça alguém disparou uma arma e a cortina foi abaixada. Resultado, fiquei sem saber quem matou quem. A solução foi puxar assunto com alguém que pudesse me explicar que tiro foi esse.
Noutra vez, em que os espectadores vizinhos não eram tão simpáticos, esperei o dia seguinte para perguntar a uma amiga o que aconteceu de tão extraordinário em uma peça do Teatro Oficina que ela já havia visto.
Demorei anos até conseguir assistir, com acessibilidade, ao oitavo episódio de “StarWars”, saga que é um dos principais assumas na família Oliveira, evitado para não antecipar nada do enredo quando nos reunimos. Sabia que, se não encontrasse uma versão com audiodescrição, não entenderia coisa alguma, ainda mais depois que contaram que havia uma cena incrível em que tudo se passava em meio ao silêncio.
Uma amiga cega disse que até hoje não conseguiu alguém que explicasse a última cena de uma novela da Globo que, no final dos anos 1990, contava a história da compositora e maestrina Chiquinha Gonzaga. É que, como dizemos o tempo todo, a cena era muito visual. Traduzindo, só pode ser entendida por quem enxerga. Aquele momento em que fica só a trilha sonora e acontece alguma coisa muito especial. Há filmes e séries mais fáceis de serem vistos sem enxergar do que outros. Um documentário em que tem gente falando o tempo todo pode ser muito mais interessante para quem não vê do que o melhor filme mudo do Charles Chaplin. Uma boa dica é a série “Anos Incríveis”, em que o protagonista já na faixa dos 30 anos serve como narrador das histórias de sua juventude. O que para a maioria pode ser um didatismo desnecessário, para mim é um alívio.
“Ou seja, quando não há audiodescrição, assistimos ao que conseguimos, correndo sempre o risco de ficar com a compreensão incompleta na maioria das vezes.”
Volto ao assunto porque, após a publicação de meu texto anterior, em que narrei situação que me parecia exemplar que vivi ao assistir à peça “Língua Brasileira” no Sesc Consolação, recebi uma mensagem por email de Felipe Hirsch, diretor do espetáculo, encenado pelo Coletivo Ultralíricos e com trilha sonora do compositor baiano Tom Zé.
Em resumo, minha crônica descreve as sensações que tive ao assistir à peça, que coloca o espectador para ouvir diversos idiomas que estão na origem de nossa língua. A alegria provocada pela audição dos textos declamados acabou frustrada ao final após eu saber que havia legendas para os espectadores que enxergavam.
Na mensagem, meu quase xará disse ter considerado meu texto lindo e coloca em questão quem de fato entendeu o que era proposto ali. Para Hirsch, a leitura da peça que fiz, e depois reneguei como incompleta por não ter acessado tudo o que estava ali, é justamente a mais interessante.
Segundo ele, o grupo buscava de fato uma experiência sensorial provocada pelo contato direto com a linguagem e sua sonoridade, a partir de uma viagem poética e musical, em vez de didática. Hirsch explicou que nem todas as cenas em outras línguas que ouvi receberam legendas. Na realidade, a primeira meia hora da peça foi falada em idiomas como guarani, iorubá, proto-indo europeu, grego e latim, nesse caso sem tradução para ninguém.
Quando entra o latim vulgar, em contraposição ao jurídico e ao eclesiástico, optou-se por dar ao espectador o texto traduzido, porque ali o conteúdo ganha mais importância, mesmo que ainda seja coadjuvante da musicalidade do que é dito em cena, afirmou o diretor.
Hirsch ressalva que eu ter compreendido a proposta da peça não é uma desculpa para que não haja acessibilidade. Depois de tantas experiências frustrantes como cinema, séries e teatro, coloquei “Língua Brasileira” na mesma prateleira de obras que eu queria ter visto, mas tinha acessado apenas um vulto embaçado do que era apresentado. No fim, a mensagem de Hirsch me permite reavaliar minha relação com a obra. Mesmo que eu tenha perdido algo, a verdade é que foi uma experiência marcante, inclusive por esse debate sobre suas múltiplas camadas de entendimento. Dentre elas, o som de línguas que não dominamos, que não traz para nós sentido que possamos decifrar objetivamente e que aparentemente é a que carrega menos significado, é a mais importante.
Parece até letra do Tom Zé, que gosta de explicar para confundir e confundir pra esclarecer. Dessa vez, em que consegui ouvir o que havia de mais importante sendo dito, talvez eu possa me divertir cantando junto com o compositor baiano na mesma música que “eu tô ficando cego pra poder guiar”.
O papel da SHOWCASE na acessibilidade
Apesar deste avanço, uma parcela significativa da população não usufruiu imediatamente dos benefícios trazidos pelas novas tecnologias. Especialmente cegos e surdos tiveram a acessibilidade comprometida porque não havia uma solução disponível para auxiliá-los no entendimento de novelas, filmes e telejornais, por exemplo.
Felizmente, nos últimos quinze anos este público passou a ser reconhecido pelo governo, emissoras e produtores audiovisuais em geral. Leis e normas estabeleceram metas para adoção das Legendas Descritivas (Closed Caption), da Audiodescrição e da Janela de Libras , permitindo que todos pudessem compreender e desfrutar integralmente de vídeos, filmes, espetáculos e eventos. A qualidade destes serviços também foi normatizada para atender aos quase 10 milhões de cidadãos brasileiros com cegueira e surdez, conforme dados do IBGE.
“A Audiodescrição (AD) é um recurso de acessibilidade que consiste, basicamente, na tradução de imagens, o significado visual torna-se verbal, por assim dizer. Ela é de suma importância, pois ela permite que todos tenham acesso às mesmas informações”, explica Nathalia Hernandes, Supervisora de Produção Audiovisual da SHOWCASE.
Audiodescrição: Compreensão integral
Fundamental no auxílio de pessoas com deficiência visual , a Audiodescrição está presente em grande parte dos programas de televisão, filmes e eventos. Em essência, ela é uma narração complementar que descreve sons, elementos visuais e informações relevantes para possibilitar a melhor compreensão por pessoas com deficiência visual. Para ativá-la, é necessário acessar um canal de áudio secundário, através do controle remoto ou menu.
Existem métodos diferentes de audiodescrição : Ela pode ser pré-gravada, ao vivo ou simultânea, conforme o tipo de produção audiovisual. Na audiodescrição pré-gravada , os profissionais assistem aos conteúdos na íntegra, fazendo um estudo detalhado para criar o roteiro. Ela ainda permite gravar e editar as faixas de áudio, deixando o conteúdo mais exato. Este é caso de filmes, séries e comerciais .
Para a audiodescrição ao vivo , a equipe também recebe o programa antes da transmissão para estudo e montagem de roteiro. A diferença está na locução ao vivo, junto com a transmissão do programa, estando sujeita a imprevistos, devido a mudanças na edição do programa ou algo do gênero. Esse é o caso para programas de televisão pré-gravados .
Finalmente, a audiodescrição simultânea acontece quando não há um roteiro fechado do programa ou a previsão de todos os eventos. Ela é feita através da locução ao vivo e conta apenas com um roteiro base, com informações dadas pela emissora/produtora e pesquisas. Esse formato tem mais dinamismo, pois o programa vai ao ar com informações inéditas. As situações mais comuns de audiodescrição simultânea são em programas ao vivo, debates e noticiários .
Quem faz a Audiodescrição?
A Audiodescrição é realizada pelo audiodescritor, profissional capacitado através de cursos de roteiro e especializações para analisar profundamente o conteúdo audiovisual, antes de traduzi-lo para pessoas com deficiência visual. Após o bacharelado em Letras ou Comunicação Social, muitos profissionais optam pela especialização na Audiodescrição, que também amplia também o entendimento de pessoas com deficiência intelectual, idosos e disléxicos.
Nathalia Hernandes trabalha há quatro anos na SHOWCASE , onde se especializou em acessibilidade e ressalta a importância da atividade na sua carreira. “O processo da audiodescrição é enriquecedor. Desde aprender a criar o roteiro, entender a melhor forma de escrever até abrir os nossos olhos para um público que tem direito de conhecer e assistir as obras audiovisuais com as mesmas informações que os demais”, detalha.
A evolução das telecomunicações no Século XX favoreceu a expansão da televisão e a chegada da internet, beneficiando a comunicação audiovisual muito além do teatro e do cinema. Milhões de pessoas passaram a tomar contato com informações e experiências antes restritas a livros e relatos. Conhecer o mundo ficou mais simples.
Acessibilidade para as órgãos públicos?
A SHOWCASE ganhou uma Ata de Registro de Preços, cujo objeto são recursos de acessibilidades, tendo como órgão gerenciador o Ministério da Economia.
Como é previsto em Lei, é possível a concessão de caronas e este é um convite para você!
Garanta já sua adesão à Ata com os mais completos recursos de acessibilidade!